Por Leonard Sousa

Este texto tem como principal objetivo apresentar algumas orientações sobre erros que frequentemente são cometidos quando pessoas videntes (termo usado para se referir a quem enxerga) se relacionam com as pessoas com deficiência visual. Pretendemos a partir deste texto desconstruir alguns estereótipos criados pela sociedade ao longo do tempo. Será que você já cometeu algum destes erros?

Apesar das inúmeras barreiras existentes e que são enfrentadas pelas pessoas cegas diariamente não podemos deixar de reconhecer que houve muitos avanços nos últimos 20 anos. As tecnologias assistivas, produtos e/ou serviços que nos auxiliam em atividades do cotidiano ou em atividades laborais contribuíram consideravelmente para o aumento da nossa autonomia. Mas sem mais delongas, vamos às orientações.

Três pessoas caminham por um local com árvores ao fundo. À esquerda, homem negro, careca, com óculos escuros e bengala. No meio, homem branco, alto, com óculos de grau e bengala. À direita mulher loira com óculos de grau. Com a mão esquerda ela segura a guia de um cão preto. Sorriem.

1º. Dirigir-se Ao Acompanhante Ao Invés Da Própria Pessoa Cega

Que coisa mais irritante! Olha, não há nada mais chato do que você saber que estão falando da sua pessoa, saber que são perguntas do tipo: nome, dados pessoais: RG, CPF, e-mail, endereço… e a pessoa não se dirigir diretamente a você, a principal interessada!

São perguntas que qualquer pessoa que esteja saudável de suas faculdades mentais pode responder com propriedade, sem que o acompanhante da pessoa com deficiência visual tenha que responder por ela. O que eu, como pessoa cega, sempre digo nas minhas palestras ou às pessoas que por ventura estejam comigo é:

Quando ocorrer este tipo de situação, responda simplesmente: fale com ele, pergunte a ele…

Simples assim.

2º. Falar Em Tom De Voz Mais Alta Do Que O Habitual

O que vou escrever aqui agora pode soar como uma obviedade, mas eu preciso dizer isso a você: o cego… só é cego. Dos cinco sentidos ele só não tem a visão. Os demais funcionam adequadamente.

Se você enxerga imagine-se na seguinte situação: alguém chega bem próximo a você e sem motivo algum começa a falar mais alto, quase gritando. Qual seria sua reação, hein? É chato, não é? Sim, eu concordo plenamente! Agora me responda você:

Por qual razão o cego tem que suportar este tipo de coisa?

Pois é. Fique bem atento à dica número 2. Quando estiver interagindo com qualquer pessoa cega não precisa alterar o tom de voz. Pode falar normalmente!

3º. Constrangimento Em Utilizar O Verbo VER Nos Diálogos Com A Pessoa Cega

Muitas pessoas já me fizeram o seguinte questionamento:

Léo, te causa algum incômodo o uso desta palavra?

Minha resposta é: não, de maneira alguma. O fato de o cego não ter a visão não o impede de ver algo. Parece meio maluco? Pois vou explicar melhor.

Inicialmente a nossa forma de ver o mundo é através do tato, ou seja, temos que tocar. Além disso, quando não é possível tocar nos objetos, podemos ver por meio da áudio-descrição, a qual traduz eventos visuais em palavras. Sendo assim, não há problemas em se utilizar o verbo ver, por exemplo, da seguinte forma: “Fulano, você viu seu amigo ontem no supermercado?”. Considerando que este fulano é cego, ele pode te responder perfeitamente e sem nenhum constrangimento que SIM, viu este amigo no supermercado. O fato de ele não ter a visão não o impede de ter encontrado e falado com este amigo. E aí, eu deixo a seguinte pergunta para você refletir:

Para o cego ver uma pessoa ou um objeto tem de ser necessária e exclusivamente pela visão?

O mesmo se aplica ao uso do verbo ASSISTIR. O cego também pode assistir a um jogo de futebol, assistir a um filme ou a uma luta. É claro que sem o recurso da áudio-descrição informações serão perdidas mas, ainda que seja pela audição, é possível acompanhar os eventos visuais citados anteriormente. Isso não invalida a utilização deste termo, portanto você também pode utilizá-lo.

4º. Atribuir Atividades Realizadas Por Cegos Como Feitos Heroicos

Existe um hábito muito ruim entre os videntes: o de superestimar tudo aquilo que o cego realiza. Para estas pessoas não importa se foi o aperto de um simples parafuso ou participar de uma corrida de 5 km: essas ações serão tidas como magníficas, esplêndidas, fantásticas!

“Fulano é ótimo, ele é realmente um exemplo de superação!”

Bem clichê, não é? Apesar de ser clichê, as pessoas não cansam de repetir as mesmas expressões. De novo, não estou minimizando quem aperta um parafuso, jamais! A questão aqui é: elogie o cego conforme a necessidade. Não torne tudo aquilo que ele faz como se tivesse atingido algo inalcançável!

Atribua elogios ou críticas aos cegos na realização de uma ou mais atividades tantos quantos sejam necessários, assim como é feito com os videntes. Nem a mais, nem a menos.

Homem de pele branca está sobre um palco. Atrás dele, uma plateia sentada em um ambiente escuro. À frente do rosto dele, um tablet. Com a mão direita, segura uma bengala.
Homem de pele branca está sobre um palco. Atrás dele, uma plateia sentada em um ambiente escuro. À frente do rosto dele, um tablet. Com a mão direita, segura uma bengala.

 

5º. Irritar-se Quando Sua Oferta De Ajuda For Recusada

Uma outra situação que ocorre conosco é que as pessoas encontram os cegos pelas ruas e oferecem ajuda para atravessar a rua ou mesmo para conduzir-nos até um local específico; ou ainda, no ambiente de trabalho, os colegas oferecem apoio quando estamos nos deslocando para nossa sala ou nos dirigindo a alguma outra parte da empresa.

Até aí, tudo bem, uma ótima atitude, não há nada de mais em se fazer isso… Até porque, quem não gosta de uma boa companhia para trocar algumas palavras, nestes momentos, não é mesmo?

Então, você vai perguntar:

“E qual o problema em ajudar uma pessoa cega em seus deslocamentos?”

Tenha calma, que já vou te responder. A questão aqui não é a ajuda à pessoa cega e sim a recusa à sua oferta de ajuda. Algumas pessoas vêem isso como falta de educação, antipatia ou ainda autossuficiência. Bom, aqui eu convoco novamente você que está lendo este texto a refletir sobre o seguinte: sabendo que você, vidente, faz um percurso todos os dias até o supermercado para fazer compras, ir à padaria ou fazer seu caminho para o trabalho, eu pergunto: você precisa necessariamente de ajuda nestes deslocamentos? Claro que não, certo?

E por que a pessoa com deficiência visual tem que sempre aceitar todas as ofertas de ajuda? Por favor, não me entendam mal! Não estou querendo dizer que a partir de agora, jamais, em hipótese alguma, deixem de oferecer ajuda aos cegos. A mensagem que queremos deixar com esta orientação é a de que não devemos nos chatear se eventualmente o cego não quiser ser ajudado.

Basta respeitar a vontade dele, pois assim como você, nossos pais, amigos e conhecidos, nós, pessoas cegas, temos nossas próprias vontades e capacidade para tomar decisões – sejam elas boas ou ruins.

6º. Achar Que Todos Os Cegos Do Mundo São Irmãos

Essa situação, além de constrangedora, é um exemplo prático da criação de um estereótipo que criam para as pessoas cegas:

“Se é cego, é tudo igual.”

Não importa se é negro, branco, índio, alto, baixo, usa ou não usa óculos, é usuário de cão-guia ou de bengala… Nada disso importa. O que vale é ser cego.

Ok, do ponto de vista de seres humanos, sim, somos todos iguais, ninguém é superior ou inferior ao outro. E também como cada ser humano nós, pessoas cegas, temos nossas características individuais. Eu tenho a pele branca, mas outro colega tem a pele morena; eu tenho cabelo curto e escuro, o outro colega tem o cabelo mais claro e mais longo, enfim… Uma infinidade de diferenças.

O que eu estou querendo dizer é que em todos os ambientes pelos quais eu já passei e que existiam outros colegas cegos assim como eu, para a maioria das pessoas que não conhecia ou não convivia com todos os cegos, aquele que fosse mais visto por todos neste ambiente tinha suas características atribuídas aos demais, inclusive o nome.

Já pensou que situação bizarra constrangedora? Não importava se era Marcos ou José. “Ah, este é Marcos…” Ou então: “Oi Marcos, tudo bem?” Quando na verdade, tratava-se de José. Nessa mesma situação a seguinte frase sempre vem à tona: “Ah, desculpe José, é que você são tão parecidos… Você é irmão do Marcos, não é?” Seria cômico, se não fosse trágico e super desconfortável, diga-se de passagem.

E ainda pode piorar, acredita? Tente o cego convencer a pessoa do contrário afirmando que, por mais que ela tenha a visão e possa tranquilamente fazer a distinção entre os colegas cegos, errou. Algumas insistirão no mesmo erro.

Então a orientação que deixamos aqui para você é: cada indivíduo cego tem suas características pessoais – inclusive os nomes próprios. Fique atento.

7º. Deduzir Que Pessoas Cegas Não Se Divertem Ou Não Trabalham

Essa é uma ideia completamente equivocada que a maior parte das pessoas tem ao nosso respeito. É bem verdade que ao longo dos anos os cegos eram obrigados a ficar em casa, uma vez que acreditava-se que este era tido como inválido, doente, um peso e que, portanto, não poderia fazer parte da população economicamente ativa.

Só que esta situação vem se tornando cada vez mais diferente. Já é mais comum encontrarmos as pessoas cegas se deslocando para o seu trabalho, para escolas, faculdades ou simplesmente para a casa de um amigo. Por que não poderia ser? Porque somos cegos não significa que não temos o direito de ir onde queremos?

Mulher com bengala à frente da porta aberta de um ônibus amarelo.

Apesar de bem básicas as orientações acima são muito importantes e se seguidas à risca farão uma imensa diferença no dia-a-dia das pessoas com deficiência visual.

Esperamos que esse texto tenha levado você à reflexão. De fato, ao seguir essas recomendações você já tornará nossa convivência bem mais eficaz, contribuindo significativamente com a inclusão.

Agora, antes de finalizar, quero deixar uma pergunta para você. Você ficou com alguma dúvida sobre alguma das 7 orientações? Deixe seu comentário logo abaixo. Caso não tenha ficado com nenhuma dúvida compartilha com a gente o que achou desse texto. Farei o possível para responder a todos os comentários. Garanto que todos serão lidos atentamente.

Até a próxima!

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